Artigos
Nova Lei sobre a Cidadania Italiana
Lei n. 74/2025 poderá ser invalidada pelo Poder Judiciário
Atualizado após a aprovação do Decreto-Legge n.36 no Parlamento italiano
Em março de 2025, o governo italiano publicou o Decreto-Legge n. 36, com o objetivo de restringir o direito à cidadania exclusivamente aos filhos e netos. Após aprovação parlamentar, o decreto foi convertido na Lei n. 74, de 23 de maio de 2025.
A notícia sobre a nova lei suscita algumas perguntas sensíveis, tais como:
1. Quem já reconheceu a cidadania corre algum risco?
2. Processos em andamento serão afetados?
3. Para quem ainda não reconheceu, o sonho acabou?
Neste artigo, responderei a esses questionamentos, com base na análise jurídica desenvolvida pelo nosso corpo de advogados.
Até a nova legislação, não havia limite de gerações para o reconhecimento da cidadania italiana — bisnetos, trinetos e até gerações mais distantes podiam ser reconhecidos como italianos, desde que provassem a descendência. A nova lei, porém, introduz limites e condições muito mais rígidas.
A seguir, veja a tradução da parte mais relevante do novo artigo 3-Bis:
[...] é considerado como nunca tendo adquirido a cidadania italiana aquele que nasceu no exterior, mesmo antes da data de entrada em vigor do presente artigo e que possui outra cidadania, salvo se estiver presente uma das seguintes condições:
a) o status de cidadão do interessado foi reconhecido, em conformidade com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, mediante requerimento, acompanhado da documentação necessária, apresentado ao consulado ou ao prefeito competentes até às 23h59, horário de Roma, da referida data;
b) o status de cidadão do interessado foi reconhecido judicialmente, em conformidade com a legislação aplicável em 27 de março de 2025, mediante ação judicial proposta até às 23h59, horário de Roma, da referida data;
c) Um ascendente de primeiro ou de segundo grau possui, ou possuía no momento da morte, exclusivamente a cidadania italiana.
d) O genitor ou adotante foi residente na Itália por pelo menos dois anos continuativos, sucessivamente à aquisição da cidadania italiana e antes do nascimento ou da adoção do filho.
A partir de agora, só poderá pedir a cidadania administrativa quem for filho ou neto de italiano que não tenha outra nacionalidade, a não ser que esse ascendente tenha residido na Itália por dois anos após se tornar cidadão italiano e antes do nascimento do filho. Se o avô tinha, por exemplo, cidadania italiana e brasileira, o pedido poderá ser negado — salvo se ele tiver morado na Itália dentro das condições acima.
Aqui entra um ponto fundamental. Mesmo antes dessa lei, juristas já vinham afirmando que não é possível restringir a cidadania juris sanguinis sem uma transição legal adequada.
A cidadania italiana jure sanguinis é uma modalidade de nacionalidade nata, ou seja, a pessoa a adquire desde o nascimento.
Não é o processo de reconhecimento que torna a pessoa italiana. Ela já nasceu italiana, por força de lei.
O processo de reconhecimento serve apenas para comprovar o preenchimento dos requisitos, já que existe um hiato documental entre o antepassado italiano e o descendente.
É simples: quando o italiano chegou ao Brasil e se casou, esse casamento não foi comunicado ao registro civil italiano, mas apenas ao equivalente brasileiro. O mesmo ocorreu em relação ao nascimento de seu filho e aos demais atos subsequentes. Do ponto de vista do registro civil, a Itália só tem conhecimento acerca do nascimento do italiano. É por isso que hoje existe a necessidade de um processo para o reconhecimento da cidadania: trata-se de mera atualização dos dados no registro civil. Mas a cidadania já existe e já foi adquirida pelo beneficiário antes mesmo do processo, pois a transmissão ocorreu no momento do nascimento.
Ao tentar retroagir e prejudicar um direito adquirido (desde o nascimento), a nova legislação pode ser considerada inconstitucional.
Em 2022, ao julgar a celeuma envolvendo a Grande Naturalização (R.G. 28397/2021), a Suprema Corte de Cassação Italiana (equivalente ao Superior Tribunal de Justiça no Brasil) estabeleceu um precedente importante ao afirmar que:
"lo status di cittadino, una volta acquisito, ha natura permanente ed è imprescrittibile".
Em bom português: o status de cidadão italiano, uma vez adquirido, tem natureza permanente e é imprescritível.
Essa afirmação reforça o entendimento de que o reconhecimento é apenas formal. O direito existe desde o nascimento, e não pode ser retirado nem ignorado com base em uma nova lei.
Quando a Suprema Corte afirma que esse direito é permanente e imprescritível, está determinando que, mesmo que o descendente não venha a exercê-lo, ele não se perde. Com base nessa determinação, podemos concluir com razoável segurança que, do ponto de vista jurídico, não há diferença entre quem já reconheceu a cidadania e quem ainda não a reconheceu.
Aqueles que já fizeram o pedido até as 23h59 do dia 27 de março de 2025, seja na esfera administrativa ou judicial, têm seus direitos garantidos pelas regras antigas. Estes não precisam se preocupar.
A polêmica está justamente em relação aos milhares de descendentes que ainda não iniciaram o processo — especialmente os que descendem de bisavôs ou tataravôs. A nova lei afirma que eles nunca foram cidadãos italianos. Mas esse é um ponto extremamente questionável.
A cidadania italiana não nasce de um favor estatal. Ela decorre de um vínculo inato, que é permanente e imprescritível, como já vimos.
Além disso, a Constituição Italiana deixa claro:
Art. 3º: Todos são iguais perante a lei.
Art. 22: A cidadania não pode ser suprimida por motivos políticos ou arbitrários.
E não para por aí. A nova lei também fere o princípio da irretroatividade, previsto no artigo 11 das Disposições sobre a Lei em Geral (Preleggi). Uma lei nova não pode alterar o passado — e a cidadania é um direito fundamental, com peso constitucional.
Outro ponto importante: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 15, estabelece que:
"Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade."
Esse mesmo princípio está reafirmado no artigo 4º da Convenção Europeia sobre a Nacionalidade. Ou seja, a Itália, como democracia e membro da União Europeia, está vinculada a normas internacionais que protegem esse direito.
Enfim, embora seja possível citar outros aspectos jurídicos igualmente relevantes, como a inexistência da suposta urgência anunciada para fundamentar e validar o Decreto-Lei (em violação ao art. 77 da Constituição), o propósito deste artigo não é inundar o leitor com juridiquês. Mas é importante apresentar esse contexto, pois os descendentes que ainda não iniciaram o processo, a partir de agora terão duas escolhas:
1. Desistir da cidadania italiana;
2. Questionar a validade desta lei no âmbito judicial.
Assim como tem ocorrido nos Estados Unidos, onde algumas das medidas mais polêmicas do governo vêm sendo barradas pela Justiça, acreditamos firmemente que o mesmo ocorrerá aqui.
Essa nova lei não sobreviverá a uma sabatina no Poder Judiciário. Aliás, há precedentes fortes: o próprio Judiciário italiano já declarou inconstitucional a limitação imposta às descendentes de mulheres italianas nascidas antes de 1948, algo que a administração pública ainda insiste em negar, mas que a Suprema Corte já superou.
Também agora o Judiciário será a salvaguarda do sonho de tantos descendentes que pretendem obter essa reconexão com a Itália.
Caso você se enquadre em uma dessas situações ou deseje entender melhor como a nova lei pode (ou não) afetar o seu direito à cidadania, entre em contato. Nosso time está preparado para analisar seu caso com o rigor jurídico que ele merece.
A partir da experiência do Dr. Ricardo Bergossi, advogado inscrito na Europa e no Brasil, ex-presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB da capital de São Paulo (subseção Santana), membro da Comissão de Relações Internacionais da Seccional São Paulo da OAB, Diretor Jurídico do Circolo Italiano San Giuseppe, especialista em Direito Internacional e Direitos Humanos pela PUC, o nosso escritório é referência, no âmbito do Estado de São Paulo, em soluções para a cidadania italiana, tais como: localização de documentos (pesquisa genealógica); análise e retificação; confecção de certidão tardia, assim como nas medidas administrativas e judiciais para o seu reconhecimento.
CLIQUE AQUI para tirar dúvidas ou agendar uma consulta.
PABX: (012) 3600-8141
Brasil - Itália - São Paulo - São José dos Campos - Turim (Torino) - Roma
Redes Sociais
Consulta com atendimento presencial, por teleconferência ou por telefone. Atendemos todo o Estado de São Paulo.
Perguntas por e-mail serão respondidas dentro do prazo de 48 horas, em dias úteis.
Preencha os dados abaixo para enviar uma dúvida, agendar uma consulta ou para outros assuntos: